terça-feira, 15 de junho de 2010

E era assim que agora eu me sentia. Vazia e sem propósito. Como se estivesse vivendo na minha própria sombra, tentando cada vez mais encontrar um mundo que fugia às minhas mãos, escorregava pelos meus dedos. O meu próprio mundo. Minha alma tinha sido arrancada, levada para a escuridão, para um lugar distante que eu não podia compreender nem um vislumbre que fosse. E ele havia partido daquela tarde fria de dezembro, sem mal poder se despedir, consumido por aquela doença nunca diagnosticada. E eu tinha ficado aqui, sozinha, presa na única imagem que vinha a minha mente nos últimos meses. A dele num mudo olhar que dizia tudo que não havia sido dito nos anos em que nos reprimíamos, nos escondíamos de nós mesmos. E naquele olhar havia apenas uma súplica por tempo. Tempo para, mais do que dizer tudo que não havia sido dito, viver tudo que não havia sido vivido. E naquela tarde cinzenta e fria, sustentei seu último olhar, compartilhei seus últimos sentimentos.

Inteiramente largada e entregue a meu abismo interior, as lágrimas floresciam em meus olhos mas por algum motivo, não caiam. Naquele momento parecia mais fácil chorar e talvez por isso eu não conseguisse faze-lo. Ou talvez as lágrimas já tivessem secado em minhas longas e incontáveis noites em claro, onde tudo que conseguia ver era seu rosto. Um rosto que agora eu só veria em minha mente.

Anos antes, sentada em uma esquina, pensando no livro de minha vida que era facilmente relido por mim todos os anos e eu já sabia de cor a monotonia das páginas, ele veio. E permaneceu. Sempre naquela constante dúvida, naquele constante medo de assumir não para mim, mas para sí próprio seus sentimentos. Carregava consigo um ar de auto-suficiência que não passava de uma barreira de concreto contra o mundo e especialmente contra mim. Uma barreira que sim, o impedia de sofrer, porém não o deixava ser tocado. Com o tempo descobri uma falha na barreira e entrei. Acho que esse era o seu maior medo. Deu não só o conhecer, como entende-lo melhor que ele entendia a si próprio.

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