quinta-feira, 15 de março de 2012

Ela


Por trás daqueles olhos mel que beiravam o verde, tudo que se via era solidão e desamparo. Não que aquela menina ruiva de nome tão desimportante quanto sua própria existência num mundo de correria e egoísmo, não tivesse ninguém que se importasse com ela. Porém, não conseguia acreditar na real importância do valor que a davam. E era ali, naquele ponto de ônibus no Humaitá, quase em frente a casa de saúde São José que seus olhos miravam o tráfego mas nada viam se não o dia-a-dia das pessoas que passavam buzinando com pressa. Infiltrada em seu tempo psicológico enquanto pacientemente esperava o ônibus que a levaria pra um lugar que poderia ir a pé, ela refletia. Qual era o sentido das pessoas e por que cada uma que quebrava a barreira de sardas em seu rosto, conseguia de alguma forma, mais cedo ou mais tarde, encontrar um meio mesmo que inconsciente de machucá – la? Todos os seus pensamentos estavam voltados para a incrível capacidade das pessoas de decepcionar as outras pela simples falta de percepção do sentimento alheio. Ou talvez ela, mais uma vez decepcionada, fosse passiva demais e esperasse claramente mais do que o outro poderia dar... E mais uma vez ali estava, esperando sua vez de entregar umas moedas ao trocador. E mais uma vez ali estava, indo de encontro a seu prazer momentâneo. Mas ela não se importava. A intensidade no seu interior era tamanha que era preferível tê-lo apenas por um breve momento do que nunca. Uma parte bastava, embora superficialmente. E afinal, o sofrimento de não possuí-lo por inteiro não era de todo ruim, dava a ela algo a pensar. Estava convicta também, de que tudo que é inteiramente seu acaba mais cedo ou mais tarde ficando depressivamente desinteressante.
Mais uma vez se encontrava na cama daquele velho apartamento, sempre de cortinas fechadas e forte umidade. Reparou pela primeira vez que as paredes precisavam ser pintadas e clamavam a luz do sol. Depois de uma rápida análise do quarto, seus olhos e pensamentos focaram novamente na única pessoa que de fato importava. A cada toque de seus lábios no dele, faltava-lhe o ar e com os olhos fechados levava a mão a seu rosto, como se pudesse assim impedi-lo de partir. E cada fibra de seu corpo, cada fio de pensamento gritava em desespero para que ele não a soltasse e aquele momento nunca acabasse. Não pelo momento em si, mas pela incerteza de tê-lo de novo. Silenciosamente serviu uma xícara de café e assim permaneceu. Preferia os olhares e gestos às palavras. Essas eram fáceis e vazias. Na maioria das vezes não significavam nada. Olhares e gestos sim eram intensos e verdadeiros. Palavras podiam ser manipuladas e calculadas. Olhares, nunca.
Há muito havia desistido de seus esforços para aparentar desinteresse e pouca causa. Estava claro que ele era a razão dela, como uma droga que vicia até a última gota e mata de uma forma extremamente lenta e dolorosa. Como uma droga que quando se está longe só se quer estar perto e quando se está perto, o maior desejo é que assim permaneça. Independente das consequências. Afinal, a dor consequênte era o que mais facilmente a levava a um vazio mental, como se por instantes estivesse imune ao mundo. E era bom. E bastava. E quando o efeito de súbito ia embora, ela entrava no mesmo ônibus e encontrava a mesma pessoa no mesmo quarto. Trocava os mesmo olhares e gestos intensos e tomava a mesma xícara de café velho, frio e amargo. Para então voltar a sua velha, fria, amarga e estranhamente confortável dor.
Abril de 2010

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